quinta-feira, 7 de abril de 2011

Você....


As quadras dele (II)






Digo pra mim quando oiço

O teu lindo riso franco,

"São seus lábios espalhabdo,

As folhas dun lírio branco..."



Perguntei às violetas

Se não tinham coração,

Se o tinham, porque 'scondidas

Na folhagem sempre estão?!



Responderam-me a chorar,

Com voz de quem muito amou:

Sabeis que dor os desfez,

Ou que traição os gelou?



Meu coração, inundado

Pela luz do teu olhar,

Dorme quieto como um lírio,

Banhado pelo luar.



Quando o ouvido vier

Teu amor amortalhar,

Quero a minha triste vida,

Na mesma cova, enterrar.



Eu sei que me tens amor,

Bem o leio no teu olhar,

O amor quando é sentido

Não se pode disfarçar.



Os olhos são indiscretos;

Revelam tudo que sentem,

Podem mentir os teus lábios,

Os olhos, esses, não mentem.



Bendita seja a desgraça,

Bendita a fatalidade,

Bendito sejam teus olhos

Onde anda a minha saudade.



Não há amor neste mundo

Como o que eu sinto por ti,

Que me ofertou a desgraça

No momento em que te vi.



O teu grande amor por mim,

Durou, no teu coração,

O espaço duma manhã,

Como a rosa da canção.



Quando falas, dizem todos:

Tem uma voz que é um encanto

Só falando, faz perder

Todo juízo a um santo.



Enquanto eu longe de ti

Ando, perdida de zelos,

Afogam-se outros olhares

Nas ondas dos teus cabelos.



Dizem-me que te não queira

Que tens, nos olhos, traição.

Ai, ensinem-me a maneira

De dar leis ao coração!



Tanto ódio e tanto amor

Na minha alma contenho;

Mas o ódio inda é maior

Que o doido amor que te tenho.



Odeio teu doce sorriso,

Odeio teu lindo olhar,

E ainda mais a minh'alma

Por tanto e tanto te amar!



Quando o teu olhar infindo

Poisa no meu, quase a medo,

Temo que alguém advinhe

O nosso casto segredo.



Logo minh'alma descansa;

Por saber que nunca alguém

Pode imaginar o fogo

Que o teu frio olhar contém.



Quem na vida tem amores

Não pode viver contente,

É sempre triste o olhar

Daquele que muito sente.



Adivinhar o mistério

Da tua alma quem me dera!

Tens nos olhos o outono,

Nos lábios a primavera...



Enquanto teus lábios cantam

Canções feitas de luar,

Soluça cheio de mágua

O teu misterioso olhar...



Com tanta contradição,

O que é que a tua alma sente?

És alegre como a aurora,

E triste como um poente...



Desabafa no meu peito

Essa amargura tão louca,

Que é tortura nos teus olhos

E riso na tua boca!



Os teus dente pequeninos

Na tua boca mimosa,

São pedacitos de neve

Dentro de um cálix de rosa.



O lindo azul do céu

E a amargura infinita

Casaram. Deles nasceu

A tua boca bendita!

(Florbela Espanca)
16/02/1916

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